El baul gitano
As postagens e as fotos permitem que o público acompanhe a criação do espetáculo. O feed back dos convidados para os ensaios abertos são muito importantes para a companhia. A estréia deve acontecer no começo de 2012.
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
EM MARÇO DE 2012, NOVO ENSAIO ABERTO AO PÚBLICO.
Os amigos estão convidados a assistirem mais um ensaio.
Aguardem!
Aguardem!
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
terça-feira, 16 de agosto de 2011
DIÁRIO DE CANDELA - 20 de agosto, em Vísnar
Os pássaros noturnos estão calando. Logo vou ouvir os que anunciam a manhã. Não sei se o arrepio que me corta vem do vento fresco ou de mal de alma. Agora é a hora mais escura da noite.
Ontem, 19 de agosto de 1936, aconteceu uma tragédia tão dolorosa que deve ser marcada para sempre. Eles pensam que não houve testemunhas, mas o menino de Dolores estava no mato catando lenha, e abafou o grito de susto. Esperou que todos partissem, e correu a nos contar.
Minha carroça, velha, desgastada, mais uma sucessão de remendos de tábuas e lonas sobre quatro rodas gastas, mostra diferentes marcas. Do lado direito, logo abaixo dos arabescos pintados que enfeitam a carroça, distinguem-se diversos desenhos da roda da fortuna - 57 para ser exata.
A viagem de minha tribo começou na névoa de tempos perdidos; mas a carroça, minha casa, cama onde nasci, derramei meu sangue de virgem, pari, e vi morrerem meus dois filhos, essa tem data. Da mais desbotada a mais viva, são 57 marcas - 57 anos que a carroça roda estrada saltimbanca.
O circo corre nas veias de minha família. Minhas lembranças mais antigas são iluminadas por um círculo de tochas, no meio do qual meus pais dançavam e se arriscavam em números com facas. Antes dos olhos das gentes do pueblo conseguirem piscar, eu passava uma caneca de esmalte onde pingavam pesetas magras.
A morte do poeta me trouxe de volta os olhos de Javier. Os mesmos olhos escuros escorrendo amêndoa doce. Chegou a mim a terrível notícia de que meu amigo García Lorca foi assassinado.
Não que as outras cruzes, na lateral esquerda da carroça, não tenham peso. Cada uma das cinco cruzes antigas corresponde a meu pai, minha mãe, Javier, e meus dois anjos que não passaram dos três anos. Santa Sara que me perdoe, mas não sei se sofri tanto quanto hoje. Com a ponta do meu punhal, o mesmo que cortou meu cordão umbilical e os de meus filhos, entalhei uma cruz para Federico. Hoje, morri mais um pouco.
Se Deus e Santa Sara permitirem, logo completarei 50 anos. Já sinto a velhice acercar-se a cada légua de estrada. Hoje, especialmente, talvez pela tristeza da notícia, me sinto mais só e mais cansada. O fantasma de não continuar a tradição, o medo de não honrar a arte de meus pais gela as mãos e o coração. Sobre meus filhos de sangue, talvez eu tivesse mais autoridade. Jamais poderei deixar transparecer meu medo de ser abandonada. Mas, sem família, como poderei manter a carroça na estrada? Sem apresentar nosso espetáculo, o que me resta nessa vida?
Ah, Javier! O que houve com a mistura de nosso sangue que gerou crianças tão fracas? Meu Javier, como me faz falta tua guitarra, tuas coplas apaixonadas que tangiam meus nervos como dedos famintos! Outros dedos correram meu corpo depois da tua morte, mas sem tanta sabedoria.
Assim sozinha, tenho que contar com a estouvada Esmeralda e a pobre Dolores. Braços de homem, nenhuns. O velho, perto dos 75 anos, pouca força tem; o menino de Dolores, com menos de 12, é de pouca ajuda. Tenho muito medo de perder o pouco brilho que me resta e, sozinha, não conseguir mais tirar meu pão da arte.
Nunca precisei de muito. Não é da natureza do meu povo acumular mais do que a carroça pode carregar. Claro que gosto do brilho do ouro, mas não hesitei em me desfazer da maior parte das argolas, pulseiras e anéis para comprar comida, remendar a carroça e comprar outro cavalo depois que o fiel Lucero morreu de velhice. Agora, meu tesouro resume-se ao crucifixo de minha mãe, um par de brincos que pertenceram à mãe de meu pai e, claro, o anel de Javier, onde o vermelho do jaspe grita nosso amor tão cedo roubado. Uma queda de cavalo, uma cabeça partida, uma saudade que me dilacera as entranhas há quase trinta anos. Almas gêmeas prometidas uma à outra ainda na infância.
Meu grande amigo Federico era outra alma gêmea, se é que isso existe. Com a cabeça deitada em meu colo, como se eu fosse uma segunda mãe, pedia coplas e contos, tal qual um menino mimado. Meus dedos corriam as mechas escuras de seu cabelo sempre perfumado, e eu cantava para ele como para um filho de meu ventre. Escolhia as mais belas histórias para diverti-lo. Às vezes, a cadência de minha voz fazia a fada do sono baixar as pestanas daquele filho do meu coração. As negras pestanas não mais se movem.
Minha dor e minha revolta terão voz. Correndo o risco de nos comprometer, já, a partir de hoje, começo a ensaiar novo espetáculo. Se Federico jaz morto, seus versos falarão por ele. Com os parcos recursos da trupe, contaremos algumas histórias que García Lorca imaginou, inspirado pela cara amizade que tinha por meu povo e por mim.
Que venha a guarda civil! Se existem Deus, Santa Sara e o paraíso, lá esperam por mim os meus de sangue e o meu poeta... Olé!
CRIAÇÃO DAS PERSONAGENS
O processo criativo do espetáculo "EL BAÚL GITANO" incluiu a gênese das três ciganas que fazem parte da trupe itinerante. Em nossa imaginação, essas três mulheres, na ausência de homens fortes em quem se amparar, são figuras femininas ambíguas. Mesmo que o grande foco do espetáculo seja a interpretação plástica dos poemas de García Lorca, foi necessário dar outras dimensões às ciganas, para que o resultado final se aproximasse mais de uma peça teatral, além de um recital coreografado de poesia. Isso, ainda que cada poema seja uma história completa em si mesma.
Cada uma das três atrizes desenvolveu o perfil de sua cigana, de modo que as personagens tenham a consistência necessária para contar as histórias dos poemas de forma mais humana, mais naturalista, mesmo que o ambiente sugerido, o cenário imaginário onde acontece o encontro com a platéia, seja o acampamento do grupo, em torno de uma fogueira, próximo à carroça onde a trupe viaja. A ambientação pede o circo-teatro, sugere estar-se ao ar livre, portanto, largo chamamento à atenção de todos.
As atrizes partiram para uma espécie de diário, onde o estofo de cada cigana foi surgindo e dando direções específicas de cada membro da trupe itinerante ao contar as histórias para o público.
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
ROMANCE DA GUARDA CIVIL ESPANHOLA
OS CAVALOS NEGROS SÃO.
AS FERRADURAS SÃO NEGRAS.
SOBRE AS CAPAS RELUZEM
MANCHAS DE TINTA E DE CERA.
TÊM, E POR ISSO NÃO CHORAM,
DE CHUMBO SUAS CAVEIRAS.
COM SUA ALMA ENVERNIZADA
LÁ VÊM ELES PELA ESTRADA.
ENCURVADOS E NOTURNOS,
POR ONDE ANIMAM, ORDENAM
SILÊNCIOS DE GOMA ESCURA
E MEDOS DE FINA AREIA.
PASSAM, SE QUEREM PASSAR,
E OCULTAM NA CABEÇA
UMA VAGA ASTRONOMIA
DE PISTOLAS INCONCRETAS.
OH! CIDADE DOS GITANOS!
PELAS ESQUINAS BANDEIRAS.
A LUA E A CABAÇA
COM AS GINJAS EM CONSERVA.
OH! CIDADE DOS GITANOS!
CIDADE DE DOR E ALMÍSCAR,
COM AS TORRES DE CANELA.
QUANDO CHEGAVA A NOITE,
NOITE QUE NOITE NOITEIRA,
OS GITANOS NAS BIGORNAS
FORJAVAM FLECHAS E SÓIS.
UM CAVALO MORIBUNDO
CHAMAVA EM TODAS AS PORTAS.
GALOS DE VIDRO CANTAVAM
EM XEREZ DE LA FRONTERA.
O VENTO DOBRA DESNUDO
A ESQUINA DA SURPRESA,
NA NOITE DE PRATA E NOITE
NOITE, QUE NOITE NOITEIRA.
A VIRGEM E SÃO JOSÉ
PERDERAM AS CASTANHOLAS,
E PROCURAM OS GITANOS
PARA VER SE AS ENCONTRAM.
A VIRGEM CHEGA VESTIDA
COM UM TRAJE MUITO RICO
DE PAPEL DE CHOCOLATE
E COM COLARES DE AMÊNDOAS.
SÃO JOSÉ OS BRAÇOS MOVE
SOB UMA CAPA DE SEDA.
ATRÁS VÃO PEDRO DOMECQ
E MAIS TRÊS SULTÕES DA PÉRSIA.
A MEIA LUA SONHAVA
UM ÊXTASE DE CEGONHA.
ESTANDARTES E FARÓIS
INVADEM AS AÇOTÉIAS.
PELOS ESPELHOS SOLUÇAM
BAILARINAS SEM QUADRIS.
ÁGUA E SOMBRA, SOMBRA E ÁGUA
POR XEREZ DE LA FRONTERA.
OH! CIDADE DOS GITANOS!
PELAS ESQUINAS BANDEIRAS.
APAGA TUAS LUZES VERDES
QUE VEM VINDO A BENEMÉRITA.
OH! CIDADE DOS GITANOS!
QUEM TE VIU E NÃO TE LEMBRA?
QUE A DEIXEM LONGE DO MAR
SEM PENTE PRA SUAS RISCAS.
AVANÇAM DE DOIS AO FUNDO
PARA A CIDADE DA FESTA.
UM RUMOR DE SEMPRE-VIVAS
AS CARTUCHEIRAS INVADE.
AVANÇAM DE DOIS AO FUNDO.
DUPLO NOTURNO DE TELA.
O CÉU A ELES PARECE
UMA VITRINE DE ESPORAS.
A CIDADE, LIVRE DE MEDO,
AS PORTAS MULTUPLICAVA.
QUARENTA GUARDAS-CIVIS
PARA O SAQUE NELAS ENTRAM.
JÁ PARARAM OS RELÓGIOS
E O CONHAQUE DAS GARRAFAS
SE DISFARÇOU DE XAROPE
PARA NÃO ESPALHAR SUSPEITAS.
UM VÔO DE GRITOS LONGOS
NOS CATAVENTOS SE ERGUEU.
OS SABRES CORTAM AS BRISAS
QUE OS CASCOS ATROPELAM.
PELAS RUAS DE PENUMBRA,
FOGEM AS GITANAS VELHAS
COM OS CAVALOS DORMIDOS
E AS VASILHAS DE MOEDAS.
PELAS RUAS EMPINADAS
SOBEM AS CAPAS SINISTRAS,
DEIXANDO POR TRÁS FUGAZES
REDEMOINHOS DE TESOURAS.
LÁ NO PORTAL DE BELÉM
OS GITANOS SE CONGREGAM.
SÃO JOSÉ, TODO FERIDO,
AMORTALHA UMA DONZELA.
TEIMOSOS FUZIS AGUDOS
PELA NOITE INTEIRA SOAM.
A VIRGEM CURA OS MENINOS
COM SALIVINHA DE ESTRELA.
PORÉM, A GUARDA-CIVIL
AVANÇA SEMEANDO FOGO,
ONDE JOVEM E DESPIDA
SE QUEIMA A IMAGINAÇÃO.
ROSA, A DOS CAMBÓRIOS,
GEME À SUA PORTA SENTADA,
COM SEUS DOIS SEIOS CORTADOS
E POSTOS NUMA BANDEJA.
E OUTRAS MOCINHAS FUGIAM
SEGUIDAS DE SUAS TRANÇAS,
NUM AR ONDE ESTALAVAM
ROSAS DE PÓLVORA NEGRA.
QUANDO TODOS OS TELHADOS
ERAM SULCOS PELA TERRA,
A AURORA MOVEU SEUS OMBROS
EM LONGO PERFIL DE PEDRA.
OH! CIDADE DOS GITANOS!
A GUARDA-CIVIL SE AFASTA
POR UM TÚNEL DE SILÊNCIO
ENQUANTO AS CHAMAS TE CERCAM.
OH! CIDADE DOS GITANOS!
QUEM TE VIU E NÃO TE LEMBRA?
QUE EM MINHA FRENTE TE BUSQUEM.
JOGO DE LUA E DE AREIA.
ROMANCE DA MÁGOA NEGRA
AS PICARETAS DOS GALOS
CAVAM, BUSCANDO A AURORA,
QUANDO PELO MONTE ESCURO
BAIXA SOLEDAD MONTOYA.
COBRE AMARELO, SUA CARNE
CHEIRA A CAVALO E SOMBRA.
SEUS PEITOS, BIGORNAS MORENAS,
GEMEM CANÇÕES REDONDAS.
SOLEDAD, POR QUEM PERGUNTAS
SEM COMPANHIA A ESTAS HORAS?
PERGUNTE POR QUEM PERGUNTE,
DIZ: A TI QUE TE IMPORTA?
VENHO BUSCAR O QUE BUSCO,
MINHA ALEGRIA E PESSOA.
SOLEDAD DOS MEUS PESARES,
CAVALO QUE SE DESBOCA,
SEU FIM ENCONTRA NO MAR
E É TRAGADO PELAS ONDAS.
NÃO ME RECORDES O MAR,
QUE A MÁGOA NEGRA BROTA
LÁ NAS TERRAS DE AZEITONA
POR SOB O RUMOR DAS FOLHAS.
SOLEDAD, QUE MÁGOA TENS!
QUE MÁGOA TÃO LASTIMOSA!
CHORAS SUMO DE LIMÃO
ACRE DE ESPERA E DE BOCA.
QUE MÁGOA TÃO GRANDE! CORRO
MINHA CASA COMO LOUCA,
MINHAS TRANÇAS PELO CHÃO,
DA COZINHA ATÉ A ALCOVA.
QUE MÁGOA! ESTOU-ME TORNANDO
AZEVICHE, CARNE E ROUPA.
AI! MINHAS CAMISAS TÃO FINAS,
AI! MINHAS COXAS DE AMAPOLA!
SOLEDAD: LAVA TEU CORPO
COM A ÁGUA DAS COTOVIAS,
E DEIXA TEU CORAÇÃO
EM PAZ, SOLEDAD MONTOYA.
*
LÁ EMBAIXO CANTA O RIO,
VOLANTE DE CÉU E FOLHAS.
COM FLORES DE CABACEIRA
A NOVA LUZ SE COROA.
OH! A MÁGOA DOS GITANOS!
MÁGOA LIMPA E SEMPRE SÓ.
OH! RIO DE LEITO OCULTO
E MADRUGADA REMOTA!
DISPUTA
NA METADE DO BARRANCO
AS NAVALHAS DE ALBACETE,
BELAS DE SANGUE CONTRÁRIO
RELUZEM ASSIM COMO PEIXES.
UMA DURA LUZ DE NAIPE
RECORTA NO AMARGO VERDE
CAVALOS ENFURECIDOS
E PERFIS DE CAVALEIROS.
NA COPA DUMA OLIVEIRA
CHORAM DUAS VELHAS MULHERES.
O TOURO DA DISPUTA
SOBE PELAS PAREDES.
ANJOS ESCUROS TRAZIAM
LENÇOS E ÁGUA DE NEVE.
ANJOS COM GRANDES ASAS
DE NAVALHAS DE ALBACETE.
JUAN ANTONIO, O DE MONTILLA,
ROLA MORTO NO DECLIVE,
SEU CORPO CHEIO DE LÍRIOS
E UMA ROMÃ NAS TÊMPORAS.
SOBE AGORA CRUZ DE FOGO,
A LONGA ESTRADA DA MORTE.
O JUIZ, COM GUARDA CIVIL,
CHEGA PELOS OLIVAIS.
SANGUE DESLIZADO GEME
MUDA CANÇÃO DE SERPENTE.
SENHORES GUARDAS CIVIS:
AQUI PASSOU-SE O DE SEMPRE,
MORRERAM QUATRO ROMANOS
E CINCO CARTAGINESES.
A TARDE LOUCA DE FIGUEIRAS
E DE RUMORES ARDENTES,
CAI DESMAIADA NAS COXAS
FERIDAS DOS CAVALEIROS.
E ANJOS NEGROS VOAVAM
PELOS ARES DO POENTE.
ANJOS DE COMPRIDAS TRANÇAS
E CORAÇÕES DE AZEITE.
AS NAVALHAS DE ALBACETE,
BELAS DE SANGUE CONTRÁRIO
RELUZEM ASSIM COMO PEIXES.
UMA DURA LUZ DE NAIPE
RECORTA NO AMARGO VERDE
CAVALOS ENFURECIDOS
E PERFIS DE CAVALEIROS.
NA COPA DUMA OLIVEIRA
CHORAM DUAS VELHAS MULHERES.
O TOURO DA DISPUTA
SOBE PELAS PAREDES.
ANJOS ESCUROS TRAZIAM
LENÇOS E ÁGUA DE NEVE.
ANJOS COM GRANDES ASAS
DE NAVALHAS DE ALBACETE.
JUAN ANTONIO, O DE MONTILLA,
ROLA MORTO NO DECLIVE,
SEU CORPO CHEIO DE LÍRIOS
E UMA ROMÃ NAS TÊMPORAS.
SOBE AGORA CRUZ DE FOGO,
A LONGA ESTRADA DA MORTE.
O JUIZ, COM GUARDA CIVIL,
CHEGA PELOS OLIVAIS.
SANGUE DESLIZADO GEME
MUDA CANÇÃO DE SERPENTE.
SENHORES GUARDAS CIVIS:
AQUI PASSOU-SE O DE SEMPRE,
MORRERAM QUATRO ROMANOS
E CINCO CARTAGINESES.
A TARDE LOUCA DE FIGUEIRAS
E DE RUMORES ARDENTES,
CAI DESMAIADA NAS COXAS
FERIDAS DOS CAVALEIROS.
E ANJOS NEGROS VOAVAM
PELOS ARES DO POENTE.
ANJOS DE COMPRIDAS TRANÇAS
E CORAÇÕES DE AZEITE.
ROMANCE SONÂMBULO
VERDE QUE TE QUERO VERDE.
VERDE VENTO. VERDES RAMAS.
O BARCO EM CIMA DO MAR
E O CAVALO NA MONTANHA.
COM A SOMBRA NA CINTURA
ELA SONHA NA VARANDA,
VERDE CARNE, TRANÇAS VERDES,
COM OLHOS DE FRIA PRATA.
VERDE QUE TE QUERO VERDE.
DEBAIXO DA LUA GITANA,
AS COISAS A ESTÃO MIRANDO
E ELA NÃO PODE MIRÁ-LAS.
VERDE QUE TE QUERO VERDE.
ESTRELAS CRISTALIZADAS
VEM COM O PEIXE DE SOMBRA
QUE ABRE O CAMINHO DA AURORA.
A FIGUEIRA ARRANHA O VENTO
COM A LIXA DE SEUS RAMOS,
E O MONTE, GATO LADRÃO,
ERIÇA ESPINHEIROS ÁSPEROS.
MAS QUEM VIRÁ? E POR ONDE...?
ELA, AINDA NA VARANDA,
VERDE CARNE, TRANÇAS VERDES,
SONHANDO COM O MAR AMARGO.
COMPADRE, QUERO TROCAR
MEU CAVALO POR SEU LAR,
MEU ARREIO POR SEU ESPELHO
MINHA FACA POR SUA MANTA.
COMPADRE, VENHO SANGRANDO
DE LÁ DOS PORTOS DE CABRA.
SE EU PUDESSE, MOCINHO,
ESSE TRATO SE FECHAVA.
PORÉM JÁ NÃO SOU MAIS EU,
NEM MEU LAR É JÁ MEU LAR.
COMPADRE, QUERO MORRER
DECENTEMENTE EM MINHA CAMA,
DE FERRO, SE PUDER SER,
E COM LENÇÓIS DE HOLANDA.
NÃO VÊS A FERIDA QUE TENHO
DO PEITO ATÉ A GARGANTA?
TREZENTAS ROSAS MORENAS
TRAZ TUA CAMISA BRANCA.
TEU SANGUE GOTEJA E PERFUMA
AO REDOR DE TUA FAIXA.
PORÉM EU JÁ NÃO SOU EU,
NEM MEU LAR É JÁ MEU LAR.
DEIXE QUE EU SUBA AO MENOS
ATÉ AS ALTAS VARANDAS,
DEIXE QUE EU SUBA! PERMITA
ATÉ AS VERDES VARANDAS.
OS CORRIMÃOS DA LUA
POR ONDE RETUMBA A ÁGUA.
JÁ SOBEM OS DOIS COMPADRES
ATÉ ÀS ALTAS VARANDAS.
DEIXANDO UM RASTRO DE SANGUE.
DEIXANDO UM RASTRO DE LÁGRIMAS.
TREMIAM SOBRE OS TELHADOS
PEQUENOS FARÓIS DE LATA.
MIL PANDEIROS DE CRISTAL
FERIAM A MADRUGADA.
VERDE QUE TE QUERO VERDE,
VERDE VENTO, VERDES RAMAS.
OS DOIS COMPADRES SUBIRAM.
O GRANDE VENTO DEIXAVA
NA BOCA UM RARO SABOR
DE FEL, DE MENTA E ALFAVACA.
COMPADRE! ONDE ESTÁ, DIGA?
ONDE ESTÁ TUA FILHA AMARGA?
QUANTAS VEZES TE ESPEROU!
QUANTAS VEZES TE ESPERARA,
CARA FRESCA, NEGRAS TRANÇAS,
AQUI NESTA VERDE VARANDA.
SOBRE A FACE DA CISTERNA
EMBALAVA-SE A GITANA.
VERDE CARNE, VERDES TRANÇAS,
COM OLHOS DE FRIA PRATA.
FIOS DE LUA GELADA
A SUSTENTAM SOBRE A ÁGUA.
A NOITE SE FEZ TÃO ÍNTIMA
COMO UMA PEQUENA PRAÇA.
BÊBEDOS GUARDAS-CIVIS
NA PORTA BATIAM FORTE.
VERDE QUE TE QUERO VERDE.
VERDE VENTO. VERDES RAMAS.
O BARCO CORTANDO O MAR.
E O CAVALO NA MONTANHA.
VERDE VENTO. VERDES RAMAS.
O BARCO EM CIMA DO MAR
E O CAVALO NA MONTANHA.
COM A SOMBRA NA CINTURA
ELA SONHA NA VARANDA,
VERDE CARNE, TRANÇAS VERDES,
COM OLHOS DE FRIA PRATA.
VERDE QUE TE QUERO VERDE.
DEBAIXO DA LUA GITANA,
AS COISAS A ESTÃO MIRANDO
E ELA NÃO PODE MIRÁ-LAS.
VERDE QUE TE QUERO VERDE.
ESTRELAS CRISTALIZADAS
VEM COM O PEIXE DE SOMBRA
QUE ABRE O CAMINHO DA AURORA.
A FIGUEIRA ARRANHA O VENTO
COM A LIXA DE SEUS RAMOS,
E O MONTE, GATO LADRÃO,
ERIÇA ESPINHEIROS ÁSPEROS.
MAS QUEM VIRÁ? E POR ONDE...?
ELA, AINDA NA VARANDA,
VERDE CARNE, TRANÇAS VERDES,
SONHANDO COM O MAR AMARGO.
COMPADRE, QUERO TROCAR
MEU CAVALO POR SEU LAR,
MEU ARREIO POR SEU ESPELHO
MINHA FACA POR SUA MANTA.
COMPADRE, VENHO SANGRANDO
DE LÁ DOS PORTOS DE CABRA.
SE EU PUDESSE, MOCINHO,
ESSE TRATO SE FECHAVA.
PORÉM JÁ NÃO SOU MAIS EU,
NEM MEU LAR É JÁ MEU LAR.
COMPADRE, QUERO MORRER
DECENTEMENTE EM MINHA CAMA,
DE FERRO, SE PUDER SER,
E COM LENÇÓIS DE HOLANDA.
NÃO VÊS A FERIDA QUE TENHO
DO PEITO ATÉ A GARGANTA?
TREZENTAS ROSAS MORENAS
TRAZ TUA CAMISA BRANCA.
TEU SANGUE GOTEJA E PERFUMA
AO REDOR DE TUA FAIXA.
PORÉM EU JÁ NÃO SOU EU,
NEM MEU LAR É JÁ MEU LAR.
DEIXE QUE EU SUBA AO MENOS
ATÉ AS ALTAS VARANDAS,
DEIXE QUE EU SUBA! PERMITA
ATÉ AS VERDES VARANDAS.
OS CORRIMÃOS DA LUA
POR ONDE RETUMBA A ÁGUA.
JÁ SOBEM OS DOIS COMPADRES
ATÉ ÀS ALTAS VARANDAS.
DEIXANDO UM RASTRO DE SANGUE.
DEIXANDO UM RASTRO DE LÁGRIMAS.
TREMIAM SOBRE OS TELHADOS
PEQUENOS FARÓIS DE LATA.
MIL PANDEIROS DE CRISTAL
FERIAM A MADRUGADA.
VERDE QUE TE QUERO VERDE,
VERDE VENTO, VERDES RAMAS.
OS DOIS COMPADRES SUBIRAM.
O GRANDE VENTO DEIXAVA
NA BOCA UM RARO SABOR
DE FEL, DE MENTA E ALFAVACA.
COMPADRE! ONDE ESTÁ, DIGA?
ONDE ESTÁ TUA FILHA AMARGA?
QUANTAS VEZES TE ESPEROU!
QUANTAS VEZES TE ESPERARA,
CARA FRESCA, NEGRAS TRANÇAS,
AQUI NESTA VERDE VARANDA.
SOBRE A FACE DA CISTERNA
EMBALAVA-SE A GITANA.
VERDE CARNE, VERDES TRANÇAS,
COM OLHOS DE FRIA PRATA.
FIOS DE LUA GELADA
A SUSTENTAM SOBRE A ÁGUA.
A NOITE SE FEZ TÃO ÍNTIMA
COMO UMA PEQUENA PRAÇA.
BÊBEDOS GUARDAS-CIVIS
NA PORTA BATIAM FORTE.
VERDE QUE TE QUERO VERDE.
VERDE VENTO. VERDES RAMAS.
O BARCO CORTANDO O MAR.
E O CAVALO NA MONTANHA.
A MONJA GITANA
SILÊNCIO DE CAL E MIRTO.
MALVAS ENTRE AS ERVAS FINAS.
A MONJA BORDA ALELÍS
SOBRE UM TECIDO COMUM.
VOAM NO LUSTRE CINZENTO
SETE PÁSSAROS DO PRISMA.
A IGREJA GRUNHE AO LONGE
COMO UM URSO DE PANÇA CHEIA.
COMO BORDA BEM! COM QUE GRAÇA!
SOBRE O TECIDO COMUM
GOSTARIA DE BORDAR
AS FLORES QUE IMAGINASSE.
QUE GIRASSOL! QUE MAGNÓLIA DE LANTEJOULAS E FAIXAS!
QUE AÇAFRÕES E QUE LUAS
NA TOALHA DO ALTAR DA MISSA!
CINCO TORANJAS SE ADOÇAM
ALI PERTO, NA COZINHA.
AS CINCO CHAGAS DE CRISTO
CORTADAS EM ALMERÍA.
PELOS OLHOS DA MONJA
GALOPAM DOIS CAVALEIROS.
UM RUMOR ÚLTIMO E SURDO
FAZ ABRIR SUA CAMISA,
E AO MIRAR NUVENS E MONTES
LÁ NAS RÍGIDAS DISTÂNCIAS,
PARTE-SE O SEU CORAÇÃO
DE AÇÚCAR E DE ERVA-LUISA.
OH! QUE PLANURA EMPINADA
COM VINTE SÓIS LÁ EM CIMA.
QUE RIOS POSTOS DE PÉ
VISLUMBRA A FANTASIA DELA!
MAS COM AS FLORES CONTINUA,
ENQUANTO, DE PÉ, NA BRISA,
A LUZ JOGA O XADREZ
LÁ BEM ALTO NA JANELA.
MALVAS ENTRE AS ERVAS FINAS.
A MONJA BORDA ALELÍS
SOBRE UM TECIDO COMUM.
VOAM NO LUSTRE CINZENTO
SETE PÁSSAROS DO PRISMA.
A IGREJA GRUNHE AO LONGE
COMO UM URSO DE PANÇA CHEIA.
COMO BORDA BEM! COM QUE GRAÇA!
SOBRE O TECIDO COMUM
GOSTARIA DE BORDAR
AS FLORES QUE IMAGINASSE.
QUE GIRASSOL! QUE MAGNÓLIA DE LANTEJOULAS E FAIXAS!
QUE AÇAFRÕES E QUE LUAS
NA TOALHA DO ALTAR DA MISSA!
CINCO TORANJAS SE ADOÇAM
ALI PERTO, NA COZINHA.
AS CINCO CHAGAS DE CRISTO
CORTADAS EM ALMERÍA.
PELOS OLHOS DA MONJA
GALOPAM DOIS CAVALEIROS.
UM RUMOR ÚLTIMO E SURDO
FAZ ABRIR SUA CAMISA,
E AO MIRAR NUVENS E MONTES
LÁ NAS RÍGIDAS DISTÂNCIAS,
PARTE-SE O SEU CORAÇÃO
DE AÇÚCAR E DE ERVA-LUISA.
OH! QUE PLANURA EMPINADA
COM VINTE SÓIS LÁ EM CIMA.
QUE RIOS POSTOS DE PÉ
VISLUMBRA A FANTASIA DELA!
MAS COM AS FLORES CONTINUA,
ENQUANTO, DE PÉ, NA BRISA,
A LUZ JOGA O XADREZ
LÁ BEM ALTO NA JANELA.
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