As postagens e as fotos permitem que o público acompanhe a criação do espetáculo. O feed back dos convidados para os ensaios abertos são muito importantes para a companhia. A estréia deve acontecer no começo de 2012.
terça-feira, 16 de agosto de 2011
DIÁRIO DE CANDELA - 20 de agosto, em Vísnar
Os pássaros noturnos estão calando. Logo vou ouvir os que anunciam a manhã. Não sei se o arrepio que me corta vem do vento fresco ou de mal de alma. Agora é a hora mais escura da noite.
Ontem, 19 de agosto de 1936, aconteceu uma tragédia tão dolorosa que deve ser marcada para sempre. Eles pensam que não houve testemunhas, mas o menino de Dolores estava no mato catando lenha, e abafou o grito de susto. Esperou que todos partissem, e correu a nos contar.
Minha carroça, velha, desgastada, mais uma sucessão de remendos de tábuas e lonas sobre quatro rodas gastas, mostra diferentes marcas. Do lado direito, logo abaixo dos arabescos pintados que enfeitam a carroça, distinguem-se diversos desenhos da roda da fortuna - 57 para ser exata.
A viagem de minha tribo começou na névoa de tempos perdidos; mas a carroça, minha casa, cama onde nasci, derramei meu sangue de virgem, pari, e vi morrerem meus dois filhos, essa tem data. Da mais desbotada a mais viva, são 57 marcas - 57 anos que a carroça roda estrada saltimbanca.
O circo corre nas veias de minha família. Minhas lembranças mais antigas são iluminadas por um círculo de tochas, no meio do qual meus pais dançavam e se arriscavam em números com facas. Antes dos olhos das gentes do pueblo conseguirem piscar, eu passava uma caneca de esmalte onde pingavam pesetas magras.
A morte do poeta me trouxe de volta os olhos de Javier. Os mesmos olhos escuros escorrendo amêndoa doce. Chegou a mim a terrível notícia de que meu amigo García Lorca foi assassinado.
Não que as outras cruzes, na lateral esquerda da carroça, não tenham peso. Cada uma das cinco cruzes antigas corresponde a meu pai, minha mãe, Javier, e meus dois anjos que não passaram dos três anos. Santa Sara que me perdoe, mas não sei se sofri tanto quanto hoje. Com a ponta do meu punhal, o mesmo que cortou meu cordão umbilical e os de meus filhos, entalhei uma cruz para Federico. Hoje, morri mais um pouco.
Se Deus e Santa Sara permitirem, logo completarei 50 anos. Já sinto a velhice acercar-se a cada légua de estrada. Hoje, especialmente, talvez pela tristeza da notícia, me sinto mais só e mais cansada. O fantasma de não continuar a tradição, o medo de não honrar a arte de meus pais gela as mãos e o coração. Sobre meus filhos de sangue, talvez eu tivesse mais autoridade. Jamais poderei deixar transparecer meu medo de ser abandonada. Mas, sem família, como poderei manter a carroça na estrada? Sem apresentar nosso espetáculo, o que me resta nessa vida?
Ah, Javier! O que houve com a mistura de nosso sangue que gerou crianças tão fracas? Meu Javier, como me faz falta tua guitarra, tuas coplas apaixonadas que tangiam meus nervos como dedos famintos! Outros dedos correram meu corpo depois da tua morte, mas sem tanta sabedoria.
Assim sozinha, tenho que contar com a estouvada Esmeralda e a pobre Dolores. Braços de homem, nenhuns. O velho, perto dos 75 anos, pouca força tem; o menino de Dolores, com menos de 12, é de pouca ajuda. Tenho muito medo de perder o pouco brilho que me resta e, sozinha, não conseguir mais tirar meu pão da arte.
Nunca precisei de muito. Não é da natureza do meu povo acumular mais do que a carroça pode carregar. Claro que gosto do brilho do ouro, mas não hesitei em me desfazer da maior parte das argolas, pulseiras e anéis para comprar comida, remendar a carroça e comprar outro cavalo depois que o fiel Lucero morreu de velhice. Agora, meu tesouro resume-se ao crucifixo de minha mãe, um par de brincos que pertenceram à mãe de meu pai e, claro, o anel de Javier, onde o vermelho do jaspe grita nosso amor tão cedo roubado. Uma queda de cavalo, uma cabeça partida, uma saudade que me dilacera as entranhas há quase trinta anos. Almas gêmeas prometidas uma à outra ainda na infância.
Meu grande amigo Federico era outra alma gêmea, se é que isso existe. Com a cabeça deitada em meu colo, como se eu fosse uma segunda mãe, pedia coplas e contos, tal qual um menino mimado. Meus dedos corriam as mechas escuras de seu cabelo sempre perfumado, e eu cantava para ele como para um filho de meu ventre. Escolhia as mais belas histórias para diverti-lo. Às vezes, a cadência de minha voz fazia a fada do sono baixar as pestanas daquele filho do meu coração. As negras pestanas não mais se movem.
Minha dor e minha revolta terão voz. Correndo o risco de nos comprometer, já, a partir de hoje, começo a ensaiar novo espetáculo. Se Federico jaz morto, seus versos falarão por ele. Com os parcos recursos da trupe, contaremos algumas histórias que García Lorca imaginou, inspirado pela cara amizade que tinha por meu povo e por mim.
Que venha a guarda civil! Se existem Deus, Santa Sara e o paraíso, lá esperam por mim os meus de sangue e o meu poeta... Olé!
CRIAÇÃO DAS PERSONAGENS
O processo criativo do espetáculo "EL BAÚL GITANO" incluiu a gênese das três ciganas que fazem parte da trupe itinerante. Em nossa imaginação, essas três mulheres, na ausência de homens fortes em quem se amparar, são figuras femininas ambíguas. Mesmo que o grande foco do espetáculo seja a interpretação plástica dos poemas de García Lorca, foi necessário dar outras dimensões às ciganas, para que o resultado final se aproximasse mais de uma peça teatral, além de um recital coreografado de poesia. Isso, ainda que cada poema seja uma história completa em si mesma.
Cada uma das três atrizes desenvolveu o perfil de sua cigana, de modo que as personagens tenham a consistência necessária para contar as histórias dos poemas de forma mais humana, mais naturalista, mesmo que o ambiente sugerido, o cenário imaginário onde acontece o encontro com a platéia, seja o acampamento do grupo, em torno de uma fogueira, próximo à carroça onde a trupe viaja. A ambientação pede o circo-teatro, sugere estar-se ao ar livre, portanto, largo chamamento à atenção de todos.
As atrizes partiram para uma espécie de diário, onde o estofo de cada cigana foi surgindo e dando direções específicas de cada membro da trupe itinerante ao contar as histórias para o público.
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
ROMANCE DA GUARDA CIVIL ESPANHOLA
OS CAVALOS NEGROS SÃO.
AS FERRADURAS SÃO NEGRAS.
SOBRE AS CAPAS RELUZEM
MANCHAS DE TINTA E DE CERA.
TÊM, E POR ISSO NÃO CHORAM,
DE CHUMBO SUAS CAVEIRAS.
COM SUA ALMA ENVERNIZADA
LÁ VÊM ELES PELA ESTRADA.
ENCURVADOS E NOTURNOS,
POR ONDE ANIMAM, ORDENAM
SILÊNCIOS DE GOMA ESCURA
E MEDOS DE FINA AREIA.
PASSAM, SE QUEREM PASSAR,
E OCULTAM NA CABEÇA
UMA VAGA ASTRONOMIA
DE PISTOLAS INCONCRETAS.
OH! CIDADE DOS GITANOS!
PELAS ESQUINAS BANDEIRAS.
A LUA E A CABAÇA
COM AS GINJAS EM CONSERVA.
OH! CIDADE DOS GITANOS!
CIDADE DE DOR E ALMÍSCAR,
COM AS TORRES DE CANELA.
QUANDO CHEGAVA A NOITE,
NOITE QUE NOITE NOITEIRA,
OS GITANOS NAS BIGORNAS
FORJAVAM FLECHAS E SÓIS.
UM CAVALO MORIBUNDO
CHAMAVA EM TODAS AS PORTAS.
GALOS DE VIDRO CANTAVAM
EM XEREZ DE LA FRONTERA.
O VENTO DOBRA DESNUDO
A ESQUINA DA SURPRESA,
NA NOITE DE PRATA E NOITE
NOITE, QUE NOITE NOITEIRA.
A VIRGEM E SÃO JOSÉ
PERDERAM AS CASTANHOLAS,
E PROCURAM OS GITANOS
PARA VER SE AS ENCONTRAM.
A VIRGEM CHEGA VESTIDA
COM UM TRAJE MUITO RICO
DE PAPEL DE CHOCOLATE
E COM COLARES DE AMÊNDOAS.
SÃO JOSÉ OS BRAÇOS MOVE
SOB UMA CAPA DE SEDA.
ATRÁS VÃO PEDRO DOMECQ
E MAIS TRÊS SULTÕES DA PÉRSIA.
A MEIA LUA SONHAVA
UM ÊXTASE DE CEGONHA.
ESTANDARTES E FARÓIS
INVADEM AS AÇOTÉIAS.
PELOS ESPELHOS SOLUÇAM
BAILARINAS SEM QUADRIS.
ÁGUA E SOMBRA, SOMBRA E ÁGUA
POR XEREZ DE LA FRONTERA.
OH! CIDADE DOS GITANOS!
PELAS ESQUINAS BANDEIRAS.
APAGA TUAS LUZES VERDES
QUE VEM VINDO A BENEMÉRITA.
OH! CIDADE DOS GITANOS!
QUEM TE VIU E NÃO TE LEMBRA?
QUE A DEIXEM LONGE DO MAR
SEM PENTE PRA SUAS RISCAS.
AVANÇAM DE DOIS AO FUNDO
PARA A CIDADE DA FESTA.
UM RUMOR DE SEMPRE-VIVAS
AS CARTUCHEIRAS INVADE.
AVANÇAM DE DOIS AO FUNDO.
DUPLO NOTURNO DE TELA.
O CÉU A ELES PARECE
UMA VITRINE DE ESPORAS.
A CIDADE, LIVRE DE MEDO,
AS PORTAS MULTUPLICAVA.
QUARENTA GUARDAS-CIVIS
PARA O SAQUE NELAS ENTRAM.
JÁ PARARAM OS RELÓGIOS
E O CONHAQUE DAS GARRAFAS
SE DISFARÇOU DE XAROPE
PARA NÃO ESPALHAR SUSPEITAS.
UM VÔO DE GRITOS LONGOS
NOS CATAVENTOS SE ERGUEU.
OS SABRES CORTAM AS BRISAS
QUE OS CASCOS ATROPELAM.
PELAS RUAS DE PENUMBRA,
FOGEM AS GITANAS VELHAS
COM OS CAVALOS DORMIDOS
E AS VASILHAS DE MOEDAS.
PELAS RUAS EMPINADAS
SOBEM AS CAPAS SINISTRAS,
DEIXANDO POR TRÁS FUGAZES
REDEMOINHOS DE TESOURAS.
LÁ NO PORTAL DE BELÉM
OS GITANOS SE CONGREGAM.
SÃO JOSÉ, TODO FERIDO,
AMORTALHA UMA DONZELA.
TEIMOSOS FUZIS AGUDOS
PELA NOITE INTEIRA SOAM.
A VIRGEM CURA OS MENINOS
COM SALIVINHA DE ESTRELA.
PORÉM, A GUARDA-CIVIL
AVANÇA SEMEANDO FOGO,
ONDE JOVEM E DESPIDA
SE QUEIMA A IMAGINAÇÃO.
ROSA, A DOS CAMBÓRIOS,
GEME À SUA PORTA SENTADA,
COM SEUS DOIS SEIOS CORTADOS
E POSTOS NUMA BANDEJA.
E OUTRAS MOCINHAS FUGIAM
SEGUIDAS DE SUAS TRANÇAS,
NUM AR ONDE ESTALAVAM
ROSAS DE PÓLVORA NEGRA.
QUANDO TODOS OS TELHADOS
ERAM SULCOS PELA TERRA,
A AURORA MOVEU SEUS OMBROS
EM LONGO PERFIL DE PEDRA.
OH! CIDADE DOS GITANOS!
A GUARDA-CIVIL SE AFASTA
POR UM TÚNEL DE SILÊNCIO
ENQUANTO AS CHAMAS TE CERCAM.
OH! CIDADE DOS GITANOS!
QUEM TE VIU E NÃO TE LEMBRA?
QUE EM MINHA FRENTE TE BUSQUEM.
JOGO DE LUA E DE AREIA.
ROMANCE DA MÁGOA NEGRA
AS PICARETAS DOS GALOS
CAVAM, BUSCANDO A AURORA,
QUANDO PELO MONTE ESCURO
BAIXA SOLEDAD MONTOYA.
COBRE AMARELO, SUA CARNE
CHEIRA A CAVALO E SOMBRA.
SEUS PEITOS, BIGORNAS MORENAS,
GEMEM CANÇÕES REDONDAS.
SOLEDAD, POR QUEM PERGUNTAS
SEM COMPANHIA A ESTAS HORAS?
PERGUNTE POR QUEM PERGUNTE,
DIZ: A TI QUE TE IMPORTA?
VENHO BUSCAR O QUE BUSCO,
MINHA ALEGRIA E PESSOA.
SOLEDAD DOS MEUS PESARES,
CAVALO QUE SE DESBOCA,
SEU FIM ENCONTRA NO MAR
E É TRAGADO PELAS ONDAS.
NÃO ME RECORDES O MAR,
QUE A MÁGOA NEGRA BROTA
LÁ NAS TERRAS DE AZEITONA
POR SOB O RUMOR DAS FOLHAS.
SOLEDAD, QUE MÁGOA TENS!
QUE MÁGOA TÃO LASTIMOSA!
CHORAS SUMO DE LIMÃO
ACRE DE ESPERA E DE BOCA.
QUE MÁGOA TÃO GRANDE! CORRO
MINHA CASA COMO LOUCA,
MINHAS TRANÇAS PELO CHÃO,
DA COZINHA ATÉ A ALCOVA.
QUE MÁGOA! ESTOU-ME TORNANDO
AZEVICHE, CARNE E ROUPA.
AI! MINHAS CAMISAS TÃO FINAS,
AI! MINHAS COXAS DE AMAPOLA!
SOLEDAD: LAVA TEU CORPO
COM A ÁGUA DAS COTOVIAS,
E DEIXA TEU CORAÇÃO
EM PAZ, SOLEDAD MONTOYA.
*
LÁ EMBAIXO CANTA O RIO,
VOLANTE DE CÉU E FOLHAS.
COM FLORES DE CABACEIRA
A NOVA LUZ SE COROA.
OH! A MÁGOA DOS GITANOS!
MÁGOA LIMPA E SEMPRE SÓ.
OH! RIO DE LEITO OCULTO
E MADRUGADA REMOTA!
DISPUTA
NA METADE DO BARRANCO
AS NAVALHAS DE ALBACETE,
BELAS DE SANGUE CONTRÁRIO
RELUZEM ASSIM COMO PEIXES.
UMA DURA LUZ DE NAIPE
RECORTA NO AMARGO VERDE
CAVALOS ENFURECIDOS
E PERFIS DE CAVALEIROS.
NA COPA DUMA OLIVEIRA
CHORAM DUAS VELHAS MULHERES.
O TOURO DA DISPUTA
SOBE PELAS PAREDES.
ANJOS ESCUROS TRAZIAM
LENÇOS E ÁGUA DE NEVE.
ANJOS COM GRANDES ASAS
DE NAVALHAS DE ALBACETE.
JUAN ANTONIO, O DE MONTILLA,
ROLA MORTO NO DECLIVE,
SEU CORPO CHEIO DE LÍRIOS
E UMA ROMÃ NAS TÊMPORAS.
SOBE AGORA CRUZ DE FOGO,
A LONGA ESTRADA DA MORTE.
O JUIZ, COM GUARDA CIVIL,
CHEGA PELOS OLIVAIS.
SANGUE DESLIZADO GEME
MUDA CANÇÃO DE SERPENTE.
SENHORES GUARDAS CIVIS:
AQUI PASSOU-SE O DE SEMPRE,
MORRERAM QUATRO ROMANOS
E CINCO CARTAGINESES.
A TARDE LOUCA DE FIGUEIRAS
E DE RUMORES ARDENTES,
CAI DESMAIADA NAS COXAS
FERIDAS DOS CAVALEIROS.
E ANJOS NEGROS VOAVAM
PELOS ARES DO POENTE.
ANJOS DE COMPRIDAS TRANÇAS
E CORAÇÕES DE AZEITE.
AS NAVALHAS DE ALBACETE,
BELAS DE SANGUE CONTRÁRIO
RELUZEM ASSIM COMO PEIXES.
UMA DURA LUZ DE NAIPE
RECORTA NO AMARGO VERDE
CAVALOS ENFURECIDOS
E PERFIS DE CAVALEIROS.
NA COPA DUMA OLIVEIRA
CHORAM DUAS VELHAS MULHERES.
O TOURO DA DISPUTA
SOBE PELAS PAREDES.
ANJOS ESCUROS TRAZIAM
LENÇOS E ÁGUA DE NEVE.
ANJOS COM GRANDES ASAS
DE NAVALHAS DE ALBACETE.
JUAN ANTONIO, O DE MONTILLA,
ROLA MORTO NO DECLIVE,
SEU CORPO CHEIO DE LÍRIOS
E UMA ROMÃ NAS TÊMPORAS.
SOBE AGORA CRUZ DE FOGO,
A LONGA ESTRADA DA MORTE.
O JUIZ, COM GUARDA CIVIL,
CHEGA PELOS OLIVAIS.
SANGUE DESLIZADO GEME
MUDA CANÇÃO DE SERPENTE.
SENHORES GUARDAS CIVIS:
AQUI PASSOU-SE O DE SEMPRE,
MORRERAM QUATRO ROMANOS
E CINCO CARTAGINESES.
A TARDE LOUCA DE FIGUEIRAS
E DE RUMORES ARDENTES,
CAI DESMAIADA NAS COXAS
FERIDAS DOS CAVALEIROS.
E ANJOS NEGROS VOAVAM
PELOS ARES DO POENTE.
ANJOS DE COMPRIDAS TRANÇAS
E CORAÇÕES DE AZEITE.
ROMANCE SONÂMBULO
VERDE QUE TE QUERO VERDE.
VERDE VENTO. VERDES RAMAS.
O BARCO EM CIMA DO MAR
E O CAVALO NA MONTANHA.
COM A SOMBRA NA CINTURA
ELA SONHA NA VARANDA,
VERDE CARNE, TRANÇAS VERDES,
COM OLHOS DE FRIA PRATA.
VERDE QUE TE QUERO VERDE.
DEBAIXO DA LUA GITANA,
AS COISAS A ESTÃO MIRANDO
E ELA NÃO PODE MIRÁ-LAS.
VERDE QUE TE QUERO VERDE.
ESTRELAS CRISTALIZADAS
VEM COM O PEIXE DE SOMBRA
QUE ABRE O CAMINHO DA AURORA.
A FIGUEIRA ARRANHA O VENTO
COM A LIXA DE SEUS RAMOS,
E O MONTE, GATO LADRÃO,
ERIÇA ESPINHEIROS ÁSPEROS.
MAS QUEM VIRÁ? E POR ONDE...?
ELA, AINDA NA VARANDA,
VERDE CARNE, TRANÇAS VERDES,
SONHANDO COM O MAR AMARGO.
COMPADRE, QUERO TROCAR
MEU CAVALO POR SEU LAR,
MEU ARREIO POR SEU ESPELHO
MINHA FACA POR SUA MANTA.
COMPADRE, VENHO SANGRANDO
DE LÁ DOS PORTOS DE CABRA.
SE EU PUDESSE, MOCINHO,
ESSE TRATO SE FECHAVA.
PORÉM JÁ NÃO SOU MAIS EU,
NEM MEU LAR É JÁ MEU LAR.
COMPADRE, QUERO MORRER
DECENTEMENTE EM MINHA CAMA,
DE FERRO, SE PUDER SER,
E COM LENÇÓIS DE HOLANDA.
NÃO VÊS A FERIDA QUE TENHO
DO PEITO ATÉ A GARGANTA?
TREZENTAS ROSAS MORENAS
TRAZ TUA CAMISA BRANCA.
TEU SANGUE GOTEJA E PERFUMA
AO REDOR DE TUA FAIXA.
PORÉM EU JÁ NÃO SOU EU,
NEM MEU LAR É JÁ MEU LAR.
DEIXE QUE EU SUBA AO MENOS
ATÉ AS ALTAS VARANDAS,
DEIXE QUE EU SUBA! PERMITA
ATÉ AS VERDES VARANDAS.
OS CORRIMÃOS DA LUA
POR ONDE RETUMBA A ÁGUA.
JÁ SOBEM OS DOIS COMPADRES
ATÉ ÀS ALTAS VARANDAS.
DEIXANDO UM RASTRO DE SANGUE.
DEIXANDO UM RASTRO DE LÁGRIMAS.
TREMIAM SOBRE OS TELHADOS
PEQUENOS FARÓIS DE LATA.
MIL PANDEIROS DE CRISTAL
FERIAM A MADRUGADA.
VERDE QUE TE QUERO VERDE,
VERDE VENTO, VERDES RAMAS.
OS DOIS COMPADRES SUBIRAM.
O GRANDE VENTO DEIXAVA
NA BOCA UM RARO SABOR
DE FEL, DE MENTA E ALFAVACA.
COMPADRE! ONDE ESTÁ, DIGA?
ONDE ESTÁ TUA FILHA AMARGA?
QUANTAS VEZES TE ESPEROU!
QUANTAS VEZES TE ESPERARA,
CARA FRESCA, NEGRAS TRANÇAS,
AQUI NESTA VERDE VARANDA.
SOBRE A FACE DA CISTERNA
EMBALAVA-SE A GITANA.
VERDE CARNE, VERDES TRANÇAS,
COM OLHOS DE FRIA PRATA.
FIOS DE LUA GELADA
A SUSTENTAM SOBRE A ÁGUA.
A NOITE SE FEZ TÃO ÍNTIMA
COMO UMA PEQUENA PRAÇA.
BÊBEDOS GUARDAS-CIVIS
NA PORTA BATIAM FORTE.
VERDE QUE TE QUERO VERDE.
VERDE VENTO. VERDES RAMAS.
O BARCO CORTANDO O MAR.
E O CAVALO NA MONTANHA.
VERDE VENTO. VERDES RAMAS.
O BARCO EM CIMA DO MAR
E O CAVALO NA MONTANHA.
COM A SOMBRA NA CINTURA
ELA SONHA NA VARANDA,
VERDE CARNE, TRANÇAS VERDES,
COM OLHOS DE FRIA PRATA.
VERDE QUE TE QUERO VERDE.
DEBAIXO DA LUA GITANA,
AS COISAS A ESTÃO MIRANDO
E ELA NÃO PODE MIRÁ-LAS.
VERDE QUE TE QUERO VERDE.
ESTRELAS CRISTALIZADAS
VEM COM O PEIXE DE SOMBRA
QUE ABRE O CAMINHO DA AURORA.
A FIGUEIRA ARRANHA O VENTO
COM A LIXA DE SEUS RAMOS,
E O MONTE, GATO LADRÃO,
ERIÇA ESPINHEIROS ÁSPEROS.
MAS QUEM VIRÁ? E POR ONDE...?
ELA, AINDA NA VARANDA,
VERDE CARNE, TRANÇAS VERDES,
SONHANDO COM O MAR AMARGO.
COMPADRE, QUERO TROCAR
MEU CAVALO POR SEU LAR,
MEU ARREIO POR SEU ESPELHO
MINHA FACA POR SUA MANTA.
COMPADRE, VENHO SANGRANDO
DE LÁ DOS PORTOS DE CABRA.
SE EU PUDESSE, MOCINHO,
ESSE TRATO SE FECHAVA.
PORÉM JÁ NÃO SOU MAIS EU,
NEM MEU LAR É JÁ MEU LAR.
COMPADRE, QUERO MORRER
DECENTEMENTE EM MINHA CAMA,
DE FERRO, SE PUDER SER,
E COM LENÇÓIS DE HOLANDA.
NÃO VÊS A FERIDA QUE TENHO
DO PEITO ATÉ A GARGANTA?
TREZENTAS ROSAS MORENAS
TRAZ TUA CAMISA BRANCA.
TEU SANGUE GOTEJA E PERFUMA
AO REDOR DE TUA FAIXA.
PORÉM EU JÁ NÃO SOU EU,
NEM MEU LAR É JÁ MEU LAR.
DEIXE QUE EU SUBA AO MENOS
ATÉ AS ALTAS VARANDAS,
DEIXE QUE EU SUBA! PERMITA
ATÉ AS VERDES VARANDAS.
OS CORRIMÃOS DA LUA
POR ONDE RETUMBA A ÁGUA.
JÁ SOBEM OS DOIS COMPADRES
ATÉ ÀS ALTAS VARANDAS.
DEIXANDO UM RASTRO DE SANGUE.
DEIXANDO UM RASTRO DE LÁGRIMAS.
TREMIAM SOBRE OS TELHADOS
PEQUENOS FARÓIS DE LATA.
MIL PANDEIROS DE CRISTAL
FERIAM A MADRUGADA.
VERDE QUE TE QUERO VERDE,
VERDE VENTO, VERDES RAMAS.
OS DOIS COMPADRES SUBIRAM.
O GRANDE VENTO DEIXAVA
NA BOCA UM RARO SABOR
DE FEL, DE MENTA E ALFAVACA.
COMPADRE! ONDE ESTÁ, DIGA?
ONDE ESTÁ TUA FILHA AMARGA?
QUANTAS VEZES TE ESPEROU!
QUANTAS VEZES TE ESPERARA,
CARA FRESCA, NEGRAS TRANÇAS,
AQUI NESTA VERDE VARANDA.
SOBRE A FACE DA CISTERNA
EMBALAVA-SE A GITANA.
VERDE CARNE, VERDES TRANÇAS,
COM OLHOS DE FRIA PRATA.
FIOS DE LUA GELADA
A SUSTENTAM SOBRE A ÁGUA.
A NOITE SE FEZ TÃO ÍNTIMA
COMO UMA PEQUENA PRAÇA.
BÊBEDOS GUARDAS-CIVIS
NA PORTA BATIAM FORTE.
VERDE QUE TE QUERO VERDE.
VERDE VENTO. VERDES RAMAS.
O BARCO CORTANDO O MAR.
E O CAVALO NA MONTANHA.
A MONJA GITANA
SILÊNCIO DE CAL E MIRTO.
MALVAS ENTRE AS ERVAS FINAS.
A MONJA BORDA ALELÍS
SOBRE UM TECIDO COMUM.
VOAM NO LUSTRE CINZENTO
SETE PÁSSAROS DO PRISMA.
A IGREJA GRUNHE AO LONGE
COMO UM URSO DE PANÇA CHEIA.
COMO BORDA BEM! COM QUE GRAÇA!
SOBRE O TECIDO COMUM
GOSTARIA DE BORDAR
AS FLORES QUE IMAGINASSE.
QUE GIRASSOL! QUE MAGNÓLIA DE LANTEJOULAS E FAIXAS!
QUE AÇAFRÕES E QUE LUAS
NA TOALHA DO ALTAR DA MISSA!
CINCO TORANJAS SE ADOÇAM
ALI PERTO, NA COZINHA.
AS CINCO CHAGAS DE CRISTO
CORTADAS EM ALMERÍA.
PELOS OLHOS DA MONJA
GALOPAM DOIS CAVALEIROS.
UM RUMOR ÚLTIMO E SURDO
FAZ ABRIR SUA CAMISA,
E AO MIRAR NUVENS E MONTES
LÁ NAS RÍGIDAS DISTÂNCIAS,
PARTE-SE O SEU CORAÇÃO
DE AÇÚCAR E DE ERVA-LUISA.
OH! QUE PLANURA EMPINADA
COM VINTE SÓIS LÁ EM CIMA.
QUE RIOS POSTOS DE PÉ
VISLUMBRA A FANTASIA DELA!
MAS COM AS FLORES CONTINUA,
ENQUANTO, DE PÉ, NA BRISA,
A LUZ JOGA O XADREZ
LÁ BEM ALTO NA JANELA.
MALVAS ENTRE AS ERVAS FINAS.
A MONJA BORDA ALELÍS
SOBRE UM TECIDO COMUM.
VOAM NO LUSTRE CINZENTO
SETE PÁSSAROS DO PRISMA.
A IGREJA GRUNHE AO LONGE
COMO UM URSO DE PANÇA CHEIA.
COMO BORDA BEM! COM QUE GRAÇA!
SOBRE O TECIDO COMUM
GOSTARIA DE BORDAR
AS FLORES QUE IMAGINASSE.
QUE GIRASSOL! QUE MAGNÓLIA DE LANTEJOULAS E FAIXAS!
QUE AÇAFRÕES E QUE LUAS
NA TOALHA DO ALTAR DA MISSA!
CINCO TORANJAS SE ADOÇAM
ALI PERTO, NA COZINHA.
AS CINCO CHAGAS DE CRISTO
CORTADAS EM ALMERÍA.
PELOS OLHOS DA MONJA
GALOPAM DOIS CAVALEIROS.
UM RUMOR ÚLTIMO E SURDO
FAZ ABRIR SUA CAMISA,
E AO MIRAR NUVENS E MONTES
LÁ NAS RÍGIDAS DISTÂNCIAS,
PARTE-SE O SEU CORAÇÃO
DE AÇÚCAR E DE ERVA-LUISA.
OH! QUE PLANURA EMPINADA
COM VINTE SÓIS LÁ EM CIMA.
QUE RIOS POSTOS DE PÉ
VISLUMBRA A FANTASIA DELA!
MAS COM AS FLORES CONTINUA,
ENQUANTO, DE PÉ, NA BRISA,
A LUZ JOGA O XADREZ
LÁ BEM ALTO NA JANELA.
SÃO GABRIEL (SEVILHA)
UM BELO RAPAZ DE JUNCO,
LARGOS OMBROS, FINO TALHE,
PELE DE MAÇÃ NOTURNA,
BOCA TRISTE E GRANDES OLHOS,
NERVO DE PRATA AQUECIDA,
PELA RUA DESERTA RONDA.
SEUS SAPATOS DE VERNIZ
ROMPEM AS DÁLIAS AÉREAS
COM OS DOIS RITMOS QUE CANTAM
BREVES LUTAS CELESTIAIS.
NA BEIRA DO MAR NÃO EXISTE
PALMA COM QUE SE COMPARE,
NEM IMPERADOR COROADO
NEM LUZEIRO CAMINHANTE.
QUANDO A CABEÇA ELE INCLINA
SOBRE SEU PEITO DE JASPE,
A NOITE BUSCA PLANURAS
PORQUE QUER AJOELHAR-SE.
AS GUITARRAS CANTAM SÓ
PARA SÃO GABRIEL ARCANJO,
O DOMADOR DE POMBINHAS
E INIMIGO DOS SALGUEIROS.
SÃO GABRIEL, O BEBÊ CHORA
NO VENTRE DE SUA MÃE.
NÃO ESQUEÇAS QUE OS GITANOS
TE DERAM DE PRESENTE O TRAJE.
***
ANUNCIAÇÃO DOS REIS,
BEM LUNADA E MAL VESTIDA,
ABRE A PORTA PARA O CLARÃO
QUE PELA RUA CHEGAVA.
O ARCANJO SÃO GABRIEL,
ENTRE AÇUCENA E SORRISO,
O BISNETO DA GIRALDA,
CHEGAVA PARA UMA VISITA.
EM SEU JALECO BORDADO
GRILOS OCULTOS PALPITAM.
ASSIM AS ESTRELAS DA NOITE
SE TORNARAM CAMPAINHAS.
***
SÃO GABRIEL, AQUI ME TENS
COM TRÊS CRAVOS DE ALEGRIA.
TEU FULGOR ABRE JASMINS
SOBRE MEU ROSTO AQUECIDO.
DEUS TE SALVE, ANUNCIAÇÃO.
MORENA MARAVILHOSA.
TERÁS UM FILHO MAIS BELO
QUE OS FINOS CAULES DA BRISA.
AI, SÃO GABRIEL DOS MEUS OLHOS!
GABRIELZINHO, QUERIDO!
PARA QUE TE SENTES EU SONHO
COM POLTRONA DE CRAVINAS.
DEUS TE SALVE, ANUNCIAÇÃO,
BEM LUNADA E MAL VESTIDA.
TEU FILHO TERÁ NO PEITO
UM SINAL E TRÊS FERIDAS.
AI, SÃO GABRIEL, QUANTA LUZ!
GABRIELZINHO, QUERIDO!
JÁ NO FUNDO DE MEUS PEITOS
VEM SURGINDO O LEITE MORNO.
DEUS TE SALVE, ANUNCIAÇÃO.
MÃE DE CEM DINASTIAS.
ÁRIDOS LUZEM TEUS OLHOS,
PAISAGENS DE CAVALEIROS.
***
O MENINO CANTA NO SEIO
DE ANUNCIAÇÃO SURPRESA.
TRÊS BALAS DE AMÊNDOA VERDE
TREMEM EM SUA VOZINHA.
JÁ SÃO GABRIEL NOS ARES
POR UMA ESCADA SUBIA.
AS ESTRELINHAS DA NOITE
SE VIRARAM EM SEMPRE-VIVAS.
quarta-feira, 10 de agosto de 2011
PRECIOSA E O VENTO
EM LUA DE PERGAMINHO
PRECIOSA VEM TOCANDO
POR UM ANFÍBIO CAMINHO
DE CRISTAIS E DE LOUREIROS.
O SILÊNCIO SEM ESTRELAS,
FUGINDO DA BATUCADA,
CAI ONDE O MAR BATE E CANTA
SUA NOITE CHEIA DE PEIXES.
LÁ NOS PICOS DA SERRA
OS CARABINEIROS DORMEM
GUARDANDO AS BRANCAS TORRES
ONDE VIVEM OS INGLESES.
E OS GITANOS DAS ÁGUAS
ERGUEM PARA DISTRAIR-SE
CARAMANCHÕES EM FESTA
E RAMAS DE PINHO VERDE.
SUA LUA DE PERGAMINHO
PRECIOSA VEM TOCANDO.
AO VÊ-LA, SE LEVANTOU
O VENTO QUE NUNCA DORME.
E SÃO CRISTÓVÃO DESPIDO,
CHEIO DE LÍNGUAS CELESTES,
MIRA A MENINA TOCANDO
UMA DOCE GAITA AUSENTE.
MENINA, DEIXA QUE EU ERGA
TEU VESTIDO PARA VER-TE.
ABRE EM MEUS DEDOS ANTIGOS
A ROSA AZUL DE TEU VENTRE.
PRECIOSA ATIRA O PANDEIRO
E CORRE SEM SE DETER.
O VENTO-HOMÃO A PERSEGUE
COM UMA ESPADA EM FOGO.
ENRUGA O MAR SEU RUÍDO.
AS OLIVEIRAS FICAM PÁLIDAS.
CANTAM AS FLAUTAS DA SOMBRA
E O LISO GONGO DA NEVE.
PRECIOSA, CORRE, PRECIOSA!
PRECIOSA, CORRE, PRECIOSA,
QUE TE APANHA O VENTO VERDE!
PRECIOSA, CORRE, PRECIOSA!
REPARA POR ONDE ELE VEM!
SÁTIRO DE ESTRELAS BAIXAS
COM SUAS LÍNGUAS BRILHANTES.
PRECIOSA, CHEIA DE MEDO,
ENTRA NA CASA QUE FICA
MAIS ACIMA DOS PINHEIROS,
A CASA DO CÔNSUL INGLÊS.
ASSUSTADOS PELOS GRITOS
TRÊS CARABINEIROS VÊM,
ENROLADOS NAS NEGRAS CAPAS
E OS GORROS SOBRE A TESTA.
O INGLÊS DÁ À GITANA
UM VASO DE MORNO LEITE
E UM COPO DE GENEBRA
QUE PRECIOSA NÃO BEBE.
E ENQUANTO CONTA, CHORANDO,
SUA AVENTURA A TAL GENTE,
LÁ, SOBRE AS TELHAS DE ARGILA
FURIOSO, O VENTO MORDE.
PRECIOSA VEM TOCANDO
POR UM ANFÍBIO CAMINHO
DE CRISTAIS E DE LOUREIROS.
O SILÊNCIO SEM ESTRELAS,
FUGINDO DA BATUCADA,
CAI ONDE O MAR BATE E CANTA
SUA NOITE CHEIA DE PEIXES.
LÁ NOS PICOS DA SERRA
OS CARABINEIROS DORMEM
GUARDANDO AS BRANCAS TORRES
ONDE VIVEM OS INGLESES.
E OS GITANOS DAS ÁGUAS
ERGUEM PARA DISTRAIR-SE
CARAMANCHÕES EM FESTA
E RAMAS DE PINHO VERDE.
SUA LUA DE PERGAMINHO
PRECIOSA VEM TOCANDO.
AO VÊ-LA, SE LEVANTOU
O VENTO QUE NUNCA DORME.
E SÃO CRISTÓVÃO DESPIDO,
CHEIO DE LÍNGUAS CELESTES,
MIRA A MENINA TOCANDO
UMA DOCE GAITA AUSENTE.
MENINA, DEIXA QUE EU ERGA
TEU VESTIDO PARA VER-TE.
ABRE EM MEUS DEDOS ANTIGOS
A ROSA AZUL DE TEU VENTRE.
PRECIOSA ATIRA O PANDEIRO
E CORRE SEM SE DETER.
O VENTO-HOMÃO A PERSEGUE
COM UMA ESPADA EM FOGO.
ENRUGA O MAR SEU RUÍDO.
AS OLIVEIRAS FICAM PÁLIDAS.
CANTAM AS FLAUTAS DA SOMBRA
E O LISO GONGO DA NEVE.
PRECIOSA, CORRE, PRECIOSA!
PRECIOSA, CORRE, PRECIOSA,
QUE TE APANHA O VENTO VERDE!
PRECIOSA, CORRE, PRECIOSA!
REPARA POR ONDE ELE VEM!
SÁTIRO DE ESTRELAS BAIXAS
COM SUAS LÍNGUAS BRILHANTES.
PRECIOSA, CHEIA DE MEDO,
ENTRA NA CASA QUE FICA
MAIS ACIMA DOS PINHEIROS,
A CASA DO CÔNSUL INGLÊS.
ASSUSTADOS PELOS GRITOS
TRÊS CARABINEIROS VÊM,
ENROLADOS NAS NEGRAS CAPAS
E OS GORROS SOBRE A TESTA.
O INGLÊS DÁ À GITANA
UM VASO DE MORNO LEITE
E UM COPO DE GENEBRA
QUE PRECIOSA NÃO BEBE.
E ENQUANTO CONTA, CHORANDO,
SUA AVENTURA A TAL GENTE,
LÁ, SOBRE AS TELHAS DE ARGILA
FURIOSO, O VENTO MORDE.
FICHA TÉCNICA
Atrizes:
BRUNA PANEGASSI - ESMERALDA
JAQUELINE VIEIRA - DOLORES
WALESKA FIRMINO - CANDELA
Bailarina: DANIELA VAREJÃO
Direção musical, coreografia e projeto gráfico: DANIELA VAREJÃO
Poemas de FEDERICO GARCÍA LORCA:
“Preciosa e o Vento”, “São Gabriel (Sevilha)”, “A Monja Gitana”, “Romance Sonâmbulo”,
“Disputa”, “Romance da Mágoa Negra”, e “Romance da Guarda Civil Espanhola”.
Concepção, Dramaturgia, Tradução, Figurinos e Objetos: WALESKA FIRMINO
Costura: LANDA
Cenotécnico: SILVIO DE SOUZA
Duração do espetáculo: 60 MINUTOS
Iluminação e Direção: FLAVIO DIAS
Produção: Cia. Radiophônica de Theatro e Outras Cousas...
BRUNA PANEGASSI - ESMERALDA
JAQUELINE VIEIRA - DOLORES
WALESKA FIRMINO - CANDELA
Bailarina: DANIELA VAREJÃO
Direção musical, coreografia e projeto gráfico: DANIELA VAREJÃO
Poemas de FEDERICO GARCÍA LORCA:
“Preciosa e o Vento”, “São Gabriel (Sevilha)”, “A Monja Gitana”, “Romance Sonâmbulo”,
“Disputa”, “Romance da Mágoa Negra”, e “Romance da Guarda Civil Espanhola”.
Concepção, Dramaturgia, Tradução, Figurinos e Objetos: WALESKA FIRMINO
Costura: LANDA
Cenotécnico: SILVIO DE SOUZA
Duração do espetáculo: 60 MINUTOS
Iluminação e Direção: FLAVIO DIAS
Produção: Cia. Radiophônica de Theatro e Outras Cousas...
SINOPSE
Uma pequena trupe de ciganas corta estradas em sua carroça. De aldeia em aldeia, de vila em vila, de praça em praça, abre um baú cheio de objetos de uso cotidiano, porém mágicos em sua transformação. Segundo a tradição dos ciganos, as mulheres oferecem a previsão do futuro, dançam e contam histórias. Crendices gitanas, homenagens aos santos de devoção, histórias de lutas sangrentas e amores impossíveis são contadas na medida em que objetos são retirados do baú. O grupo chega, dança, conta histórias, deixa suas marcas nos que ficam, e parte... como fazem os ciganos.
terça-feira, 9 de agosto de 2011
ENSAIO ABERTO PARA AMIGOS
No dia 24 de setembro, às 21h, no palco da Cia. Radiophônica, haverá um ensaio aberto ao público.A entrada será mediante o nome em lista de convidados. Confirme já sua presença. Não será permitida a entrada de menores de 15 anos.
PROPOSTA DE ENCENAÇÃO:
A encenação compreendeu uma primeira fase, a da criação das imagens das histórias e uma segunda fase, que é a criação de personagens, a direção das atrizes e das cenas. A primeira fase faz parte da concepção do espetáculo, e foi conduzida por Waleska Firmino, com olhar interno, já que a criadora encontra-se em cena, como atriz. Nesse processo, buscou-se entender a "história" contada em cada poema, e também a criação de ações e imagens de grande plasticidade, onde os objetos cotidianos das personagens ciganas mudam de função.
Na fase final entra o diretor, Flavio Dias, para a lapidação da concepção inicial.
Waleska Firmino
atriz/diretora/cenógrafa/dramaturga
VISÃO DO DIRETOR:
Concepção apresentada, a direção vai, então, definir personagens e suas ações nos poemas e nos textos de costura. É neste processo que as personagens ciganas acrescentam a gestualidade do “circo-teatro”, cuja alma popular vem suavizar o tom naturalista que a interpretação de poemas impõe. As ciganas farão dos poemas, contos. Contarão histórias tiradas do “baú do Lorca” para o público, multiplicando-se a cada poema. E a bailarina será o personagem “Música”. Desta forma, a Música envolverá, e até se relacionará fisicamente com todos os personagens...
Ator/diretor/dramaturgo
Ator e diretor em teatro e dublagem, formado, em 1975 pela Escola de Artes Dramáticas da ECA/USP. Como ator, trabalhou em 45 espetáculos. Como diretor teatral foram 72 trabalhos desde 1978.
Apaixonado pela dramaturgia de Lorca, já dirigiu e participou de quase toda obra do andaluz, como diretor e também ator.
“A genialidade de Lorca nos apresenta sua obra como um baú de pedras preciosas”.
“El baul gitano” pretende transformar algumas destas pedras preciosas... em jóias”.
(Flavio Dias)
segunda-feira, 8 de agosto de 2011
A COMPANHIA - DRAMATURGIA E TRADUÇÃO
A “Cia. Radiophônica de Theatro e Outras Cousas...” iniciou suas atividades artísticas em Mogi das Cruzes, no ano de 1988. Dirigida pelos também atores Waleska Firmino e Flavio Dias, é uma das companhias de teatro mais antigas e tradicionais da Região do Alto Tietê. A Cia. Radiophônica trabalha com três focos: arte educação, pesquisa de linguagem teatral e produções culturais de diversos gêneros, para teatro, televisão, cinema, rádio, publicidade, eventos, e outros. Maiores informações sobre as atividades da Cia. Radiophônica podem ser conferidas no site e no Facebook.
www.ciaradiophonica.com.br
http://www.facebook.com/#!/profile.php?id=100001730597873
Para facilitar o transporte do público ao universo poético de Lorca, foi criada uma costura que oferece as chaves líricas necessárias para entrar-se em um hermético mundo de imagens, bem diferente de um texto teatral. Vários autores e biógrafos foram consultados, mas a condução do estudo foi guiada pelo livro “FEDERICO GARCÍA LORCA – La palabra del amor y de la muerte”, de Julio García Morejón.
Os sete poemas foram escolhidos por representatividade, mas também por particular admiração a eles. A tradução do espanhol para o português pretendeu manter o espírito da obra e jogar luz sobre o entendimento rápido que exige o poema ouvido, e não lido. Portanto, foi necessário sacrificar alguma coisa de métrica, rima e estrutura originais do romancero medieval.
EL BAÚL GITANO
“El Baúl Gitano” é o resultado de uma pesquisa de linguagem desenvolvida já há muitos anos pela “Cia. Radiophônica de Theatro”: a semiologia dos objetos; e agora volta ao público sob novo formato: somente mulheres em cena.
No espetáculo, a platéia é capaz de ler diferentes significados em um mesmo objeto, segundo o uso e a inserção do mesmo nos poemas. Assim, um leque pode simbolizar o vento, asas de pássaros, asas de anjos, ou mesmo as afiadas navalhas de Albacete. Este trabalho, concebido em certa variante de linguagem que une o movimento da dança flamenca à ação teatral, tem por base sete textos do poeta e dramaturgo Federico García Lorca, considerado a máxima expressão da literatura espanhola contemporânea, e um dos grandes nomes da literatura mundial. A montagem anterior, de 2001, mereceu elogios do adido cultural do Consulado Espanhol de São Paulo, o (já falecido) senhor Mario García Guillén, que era estudioso do poeta e publicou vários livros sobre García Lorca.
O teor da pesquisa é buscar diferentes significados para os mesmos objetos, alterando sua função original de modo que, impregnados da tragicidade e dramaticidade dos poemas de Lorca, sirvam à narrativa, facilitando seu entendimento e criando a ambientação.
A interpretação de um poema é sempre muito subjetiva, mas o espetáculo tenta, através das ações cênicas, mostrar nossa leitura de parte da beleza presente na obra de Lorca. Na montagem, concebida preferencialmente para apresentação em semi-arena ou palco elisabetano, mas versátil para outros espaços, o público interage com as ciganas que, como de hábito, convidam os passantes a terem sua sorte lida nas mãos ou nas cartas.
A força da sensualidade, da sedução do povo cigano, traduz-se na música, na própria postura de seus corpos, em seu olhar profundo, pleno de “duende”, que para o povo espanhol é uma espécie de espírito que prenuncia a dor e a morte.
A alma espanhola, em especial a alma cigana, sua poesia, sua musicalidade, sua dança e as demais formas de expressão dessa cultura, estão presentes na literatura de Lorca, especialmente em seu “Romancero Gitano”, de onde extraímos o material para a concepção do espetáculo. Lorca, que de sangue cigano nada tinha, amava esse povo como amava a todos os excluídos e perseguidos.
Poeta de sensibilidade incomum e estilo inconfundível, Lorca conseguiu nesta obra aliar simbologia popular a um lirismo secreto e dolorido. Sempre com leveza e grande capacidade narrativa, soube em seus poemas explorar ao máximo todos os sentidos do leitor, tornando-os extremamente reais.
A obra de García Lorca, ritmada e forte, soa a flamenco, sugere largas paisagens, cheira a açafrão e cravo, e é embriagante como o forte vinho espanhol, levando-nos a uma viagem de imagens maravilhosamente belas. Por isso, montar Lorca é um desafio e um prazer.
A Cia. Radiophônica de Theatro convida o público a se deliciar com o gênio de Federico García Lorca, e ao prazer de assistir a uma pequena, mas apaixonante e significativa, parte de sua extensa obra literária.
No espetáculo, a platéia é capaz de ler diferentes significados em um mesmo objeto, segundo o uso e a inserção do mesmo nos poemas. Assim, um leque pode simbolizar o vento, asas de pássaros, asas de anjos, ou mesmo as afiadas navalhas de Albacete. Este trabalho, concebido em certa variante de linguagem que une o movimento da dança flamenca à ação teatral, tem por base sete textos do poeta e dramaturgo Federico García Lorca, considerado a máxima expressão da literatura espanhola contemporânea, e um dos grandes nomes da literatura mundial. A montagem anterior, de 2001, mereceu elogios do adido cultural do Consulado Espanhol de São Paulo, o (já falecido) senhor Mario García Guillén, que era estudioso do poeta e publicou vários livros sobre García Lorca.
O teor da pesquisa é buscar diferentes significados para os mesmos objetos, alterando sua função original de modo que, impregnados da tragicidade e dramaticidade dos poemas de Lorca, sirvam à narrativa, facilitando seu entendimento e criando a ambientação.
A interpretação de um poema é sempre muito subjetiva, mas o espetáculo tenta, através das ações cênicas, mostrar nossa leitura de parte da beleza presente na obra de Lorca. Na montagem, concebida preferencialmente para apresentação em semi-arena ou palco elisabetano, mas versátil para outros espaços, o público interage com as ciganas que, como de hábito, convidam os passantes a terem sua sorte lida nas mãos ou nas cartas.
A força da sensualidade, da sedução do povo cigano, traduz-se na música, na própria postura de seus corpos, em seu olhar profundo, pleno de “duende”, que para o povo espanhol é uma espécie de espírito que prenuncia a dor e a morte.
A alma espanhola, em especial a alma cigana, sua poesia, sua musicalidade, sua dança e as demais formas de expressão dessa cultura, estão presentes na literatura de Lorca, especialmente em seu “Romancero Gitano”, de onde extraímos o material para a concepção do espetáculo. Lorca, que de sangue cigano nada tinha, amava esse povo como amava a todos os excluídos e perseguidos.
Poeta de sensibilidade incomum e estilo inconfundível, Lorca conseguiu nesta obra aliar simbologia popular a um lirismo secreto e dolorido. Sempre com leveza e grande capacidade narrativa, soube em seus poemas explorar ao máximo todos os sentidos do leitor, tornando-os extremamente reais.
A obra de García Lorca, ritmada e forte, soa a flamenco, sugere largas paisagens, cheira a açafrão e cravo, e é embriagante como o forte vinho espanhol, levando-nos a uma viagem de imagens maravilhosamente belas. Por isso, montar Lorca é um desafio e um prazer.
A Cia. Radiophônica de Theatro convida o público a se deliciar com o gênio de Federico García Lorca, e ao prazer de assistir a uma pequena, mas apaixonante e significativa, parte de sua extensa obra literária.
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